Afinal, coleta dos exames em jejum: é necessário ou não?
DISLIPIDEMIA - INVESTIGAÇÃO
7/14/20233 min read


Rodolpho Pinto de Mendonça


Recentemente, tem sido rotina de alguns laboratórios realizar a coleta de exames de sangue sem jejum prévio. Tal prática baseia-se no Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico de 2016. Este documento foi elaborado em conjunto pelas Sociedades Brasileiras de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Cardiologia (SBC), Diabetes (SBD) e de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), flexibilizando a necessidade do jejum de 12 horas para coleta de perfil lipídico.
Primeiramente, qual a definição de jejum?
Entende-se por jejum o tempo no qual uma pessoa não recebe nenhum aporte calórico, seja líquido ou sólido.
E quais seriam as vantagens da flexibilização do jejum?
O estado alimentado predomina durante a maior parte do dia, estando o paciente mais exposto aos níveis de lípides nestas condições em comparação com o estado de jejum, representando mais eficazmente seu potencial impacto no risco cardiovascular;
As dosagens no estado pós‐prandial seriam mais práticas, reduzindo o congestionamento dos pacientes no laboratório;
As determinações de colesterol total, HDL‐C, não‐HDL‐ C e LDL‐C não diferem de forma significativa se realizadas no estado pós‐prandial ou no estado de jejum, conforme figura abaixo. Há aumento nos níveis de triglicérides (TG) no estado alimentado, porém este é pouco relevante desde que se considere uma refeição usual não sobrecarregada em gordura.


A seguir, mostramos as recomendações para coleta do perfil lipídico e seus valores de referência, segundo a SBPC/ML:




Entretanto, “na onda” da flexibilização do perfil lipídico, alguns laboratórios generalizam a recomendação para outros exames. Desse modo, realizam a coleta dos demais também no período pós prandial, gerando assim valores equivocados.
Variáveis pré-analíticas são de suma importância na interpretação dos exames. Diversas condições como estado de jejum, medicações, atividade física, ingesta de álcool, podem gerar interferentes, alterando os resultados dos exames e consequentemente a interpretação deles. Alguns exames exigem obrigatoriamente a necessidade de jejum. Para diagnóstico do diabetes, é preconizado a dosagem da glicemia em jejum mínimo de 8 horas. Além disso, diversos hormônios obedecem a um ritmo circadiano de produção. A testosterona, por exemplo, deve ser colhida em jejum e entre 7-10 horas da manhã, a fim de investigação de hipogonadismo. Sendo assim, erros pré-analíticos podem gerar ansiedade e frustação desnecessárias no paciente, tendo estes muitas vezes que refazer a coleta em jejum.
Apesar do valor de TG < 175mg/dL ser considerável desejável, dois estudos mostraram aumento do risco cardiovascular com níveis de TG entre 89-176mg/dL. Inclusive, a Endocrine Society recomenda que em casos de elevação dos TG ou suspeita de dislipidemia de origem genética, o perfil lipídico deve ser repetido em jejum.
Portanto, levando em consideração que a maior parcela dos pacientes irá coletar outros exames além do perfil lipídico, penso que seria mais prudente manter a coleta no período em jejum. Dessa forma, se reduz a chance de erros pré-analíticos, e consequentemente problemas na interpretação dos exames.
E você? O que pensa sobre o assunto?
Bibliografia:
Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico. Acesso em: https://bibliotecasbpc.org.br/index.php?P=4&C=0.2
Newman CB, et. al. Lipid Management in Patients with Endocrine Disorders: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2020