AFINAL, ÔMEGA 3 REDUZ MORTALIDADE CARDIOVASCULAR E PREVINE CONTRA CÂNCER?

MITOS E VERDADES

8/6/20234 min read

Rafael Buck Giorgi

Recentemente, alguns produtos ganharam evidência, principalmente na mídia leiga, por prometerem grandes milagres. Chás emagrecedores, implantes que melhoram massa muscular e muitas outras lendas urbanas vem sendo propagadas. Nesta onda, o ômega 3 parecer ser o novo elixir da vida! Campanhas na TV e em redes sociais estimulam sua ingesta por todos com o objetivo de melhorar a saúde cardiovascular e prevenir várias outras doenças. Mas será que as pesquisas suportam isso?

Um trabalho publicado no “The New England Journal of Medicine” em 2019 avaliou o efeito da suplementação com ômega 3 e seu impacto na saúde cardiovascular e na prevalência de câncer.

Este estudo foi um ensaio clínico randomizado, duplo cego, com 25871 participantes. Estas pessoas foram acompanhados por uma média de 5,3 anos e foram comparados um grupo placebo com um outro em uso de suplementação de 1g de ômega 3. O objetivo primário foi avaliar a incidência de doença cardiovascular como prevenção primária, além de avaliação da incidência de câncer em ambos os braços do estudo. Os objetivos secundários incluíram necessidade de revascularização coronária, cânceres específicos de cada local e morte por câncer.

A característica de ambos os grupos pode ser vista na tabela abaixo:

Durante o acompanhamento, houve 805 eventos cardiovasculares maiores (combinação de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte por causas cardiovasculares), com 386 participantes no grupo “ômega 3” e em 419 no grupo placebo (HR, 0,92; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,80 a 1,06; P= 0,24).

Nas análises de desfechos cardiovasculares secundários, as taxas de risco foram as seguintes: Infarto do miocárdio, HR; 0,72 (95% CI, 0,59 a 0,90); Morte por todas as causas cardiovasculares, HT; 0,96 (IC 95%, 0,76 a 1,21); Acidente vascular cerebral, HR; 1,04 (95% CI, 0,83 a 1,31).

Já com relação ao câncer invasivo, ocorrer em 1.617 participantes (820 no grupo n-3 vs. 797 no grupo placebo), com riscos semelhantes nos dois grupos (HR, 1,03; 95% CI, 0,93 a 1,13; P =0,56). Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos randomizados com relação à incidência de câncer de mama, próstata ou colorretal; morte por câncer (341 mortes por câncer; HR, 0,97; IC 95%, 0,79 a 1,20); ou morte por qualquer causa (978 mortes em geral; taxa de risco, 1,02; IC 95%, 0,90 a 1,15).

Na figura abaixo é possível observar que mesmo em sub análises, o ômega 3 como prevenção primária de doença cardiovascular não apresentou qualquer redução de mortalidade:

Neste estudo de prevenção primária com um acompanhamento médio de 5,3 anos, a suplementação com ômega 3 na dose de 1 g por dia não levou a uma incidência significativamente menor dos desfechos primários de eventos cardiovasculares maiores (uma combinação de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte por causas cardiovasculares) ou câncer invasivo do que o placebo. As análises dos componentes do desfecho cardiovascular primário composto sugeriram que o risco de infarto do miocárdio foi menor no grupo ômega 3 do que no grupo placebo mas não houve diferença significativa na incidência de morte por causas cardiovasculares ou acidente vascular cerebral.

Este estudo apresenta algumas limitações: A duração média da intervenção foi apenas de 5,3 anos, talvez um tempo curto para avaliar doença cardiovascular em prevenção primária. Além disso, foi avaliado apenas uma dose de ômega 3 (1g ao dia). Pode-se especular que talvez em doses mais elevadas os resultados poderiam ser diferentes. No entanto, a dose que foi utilizada é a recomendada pela American Heart Association para cardioproteção em pessoas com histórico de doença coronariana e é pelo menos o dobro da dose recomendada para proteção cardiovascular em populações saudáveis (equivalente a 1 a 2 porções de peixe por semana). Especula-se em que em doses superiores a 2-4g ao dia, poderia ocorrer alguma proteção adicional, mas mais pesquisas precisam confirmar estes dados.

Apesar destas limitações, em nossa opinião, considerando o custo do ômega 3, e sua comercialização em baixas dosagens no Brasil (em geral as preparações tem 500mg), recomendar seu uso de forma indiscriminada com promessas de melhoras na saúde cardiovascular, é uma falácia.

Bibliografia:

  • JoAnn E. Manson et al. N Engl J Med 2019; 380:23-32. DOI: 10.1056/NEJMoa1811403