Efeito da semaglutida sobre a doença renal crônica nos pacientes com diabetes tipo 2

TRATAMENTO DO DM2

5/24/20244 min read

Rodolpho Pinto de Mendonça

A doença renal crônica (DRC) é uma complicação prevalente e grave em pacientes com diabetes tipo 2, aumentando significativamente o risco de falência renal, eventos cardiovasculares e mortalidade. A semaglutida, um agonista do receptor GLP-1, tem mostrado benefícios em estudos anteriores para controle glicêmico e perda de peso. No entanto, seu impacto em desfechos renais e cardiovasculares específicos em pacientes com diabetes tipo 2 e DRC necessitava de uma avaliação mais aprofundada. O artigo "Effects of Semaglutide on Chronic Kidney Disease in Patients with Type 2 Diabetes", publicado no New England Journal of Medicine, aborda exatamente essa lacuna, investigando os efeitos da semaglutida em desfechos clínicos importantes nessa população de pacientes.

Metodologia

Foi realizado um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, projetado para avaliar a eficácia e a segurança da semaglutida em pacientes com diabetes tipo 2 e DRC. A semaglutida foi administrada de forma subcutânea na dose de 1.0 mg semanalmente, com um regime de escalonamento de dose durante as primeiras 8 semanas.

#Critérios de Inclusão

Os participantes incluídos no estudo eram adultos com diabetes tipo 2, com níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) ≤10%, e que apresentavam doença renal crônica definida por uma TFG (taxa de filtração glomerular) entre 50 a 75 ml/min/1.73 m² com uma relação albumina-creatinina urinária >300 e <5000, ou TFG entre 25 a <50 ml/min/1.73 m² com uma relação albumina-creatinina urinária >100 e <5000.

#Critérios de Exclusão

Foram excluídos os pacientes que não estavam em uso de inibidores do sistema renina-angiotensina (ACEI ou ARB) na dose máxima tolerada ou que apresentavam contraindicações a esses medicamentos. Outros critérios de exclusão incluíram condições médicas que poderiam interferir na avaliação dos desfechos do estudo ou representar riscos adicionais aos participantes.

A randomização foi feita em uma proporção de 1:1, estratificada pelo uso de inibidores de SGLT2 no início do estudo. O estudo incluiu um total de 3533 participantes, sendo 1767 no grupo da semaglutida e 1766 no grupo placebo. A idade média dos participantes era de 66,6 anos, com 30,3% de mulheres. A média da duração do diabetes foi de 15,7 anos. A TFG média foi de 47,0 ml/min/1.73 m² e a relação albumina-creatinina urinária mediana foi de 567,6 mg/g. Os desfechos primários foram: desfechos renais maiores (início de diálise, transplante renal ou TFG < 15mL/min); redução na TFG em mais de 50% por mais de 28 dias ou morte por causas renais ou cardiovasculares.

Qais os resultados?

Desfecho Primário:

- Eventos maiores de doença renal ocorreram em 331 participantes no grupo da semaglutida, em comparação com 410 no grupo placebo.

- A semaglutida reduziu o risco de eventos maiores de doença renal em 24% (Hazard Ratio [HR], 0.76; 95% CI, 0.66-0.88; P=0.0003).

Desfechos Secundários:

- A taxa anual de declínio do eGFR foi significativamente menor no grupo da semaglutida (-2.19 ml/min/1.73 m²/ano) em comparação com o grupo placebo (-3.36 ml/min/1.73 m²/ano), com uma diferença de 1.16 ml/min/1.73 m²/ano (95% CI, 0.86-1.47; P<0.001).

- A semaglutida reduziu o risco de eventos cardiovasculares maiores em 18% (HR, 0.82; 95% CI, 0.68-0.98; P=0.029).

- Houve uma redução de 20% no risco de morte por qualquer causa no grupo da semaglutida (HR, 0.80; 95% CI, 0.67-0.95; P=0.01).

Efeitos Adversos

Os eventos adversos graves foram menos frequentes no grupo da semaglutida (49.6%) em comparação com o grupo placebo (53.8%). No entanto, a descontinuação do tratamento devido a eventos adversos foi maior no grupo da semaglutida (13.2% vs. 11.9%), principalmente devido a distúrbios gastrointestinais. A incidência de eventos oculares graves foi maior no grupo da semaglutida (3.0% vs. 1.7%), embora os eventos de retinopatia diabética tenham sido similares entre os grupos.

Conclusão do Artigo

O estudo conclui que a semaglutida, administrada semanalmente, reduz significativamente o risco de eventos maiores de doença renal, eventos cardiovasculares e mortalidade em pacientes com diabetes tipo 2 e doença renal crônica. Além disso, a semaglutida demonstrou um perfil de segurança aceitável, apesar de uma maior incidência de descontinuações devido a efeitos adversos gastrointestinais.

Ponto de Vista

Embora os resultados sejam promissores, alguns pontos valem ser ressaltados: baixa prevalência da população negra no estudo (4%) que sabidamente é fator de risco na piora da doença renal crônica; não obrigatoriedade do uso da finerenone nos pacientes (será a terapia combinada modificaria os desfechos duros?); tempo relativamente curto de duração do estudo (3,4 anos).

A semaglutida representa uma importante adição ao manejo terapêutico de pacientes com diabetes tipo 2 e doença renal crônica, oferecendo benefícios significativos na redução de desfechos renais e cardiovasculares. Este estudo fortalece a posição da semaglutida como uma opção terapêutica robusta, especialmente em combinação com outras terapias comprovadas, como os inibidores de SGLT2 e os antagonistas dos receptores de mineralocorticoides.