Hipoparatireoidismo: diagnóstico e tratamento

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HIPOPARATIREOIDISMO

7/31/20237 min read

Por Sílvia Marques

O hipoparatireoidismo é um distúrbio endócrino que ocorre em consequência da ausência ou níveis inapropriadamente baixos do paratormônio (PTH), ocasionando hipocalcemia e hiperfosfatemia.

A etiologia mais comum é a pós-cirúrgica e pode ser transitória (menos de 6 meses) ou crônica em 25% dos casos (mais de 6 meses), geralmente após tireoidectomia total e paratireoidectomia. Os principais fatores de risco são a experiência do cirurgião e a visualização das glândulas durante a cirurgia. Além da extensão da cirurgia, hipertireoidismo pré-operatório, deficiência de vitamina D e queda precoce do PTH perioperatório.

Outra etiologia frequente é a autoimune, que pode ocorrer isoladamente ou ser parte da síndrome poliglandular autoimune tipo 1, doença autossômica recessiva, causada por mutações no gene AIRE, associada à candidíase mucocutânea e insuficiência adrenal.

O Pseudohipoparatireoidismo é uma doença em que ocorre resistência dos tecidos-alvo ao PTH, com hipocalcemia e hiperfosfatemia, porém com níveis elevados de PTH.

O PTH é sintetizado e armazenado nas paratireoides. Sua liberação ocorre quando o receptor de sensor de cálcio (CaSR) detecta hipocalcemia. A hipocalcemia reduz a sinalização de CaSR, aumentando a liberação de PTH, que se liga no receptor PTH1 (PTH1R) nos ossos e nos rins. Nos ossos aumenta a reabsorção óssea para liberar cálcio. No rim estimula a reabsorção tubular de cálcio, excreção de fosfato e ativa a enzima 1-alfa-hidroxilase que converte 25-hidroxi-vitamina D em 1-25-di-hidroxivitaminaD (calcitriol), que é o hormônio ativo. O calcitriol se liga no receptor de vitamina D (VDR), aumentando a absorção intestinal de cálcio. O CaSR renal também promove reabsorção de cálcio independente da ação do PTH (Figura 1). Na presença de hiperfosfatemia, o aumento do PTH inibe a reabsorção tubular de fosfato. Além disso, o fator de crescimento de fibroblastos 23 (FGF 23) também inibe a reabsorção tubular de fosfato e diminui a síntese renal de calcitriol.

No hipoparatireoidismo ocorre falta ou ausência de PTH e com isso, diminui a absorção intestinal de cálcio, diminui a reabsorção óssea, a reabsorção renal de cálcio, ocorrendo hipocalcemia e hipercalciúria. Também ocorre aumento da reabsorção renal de fosfato, levando a hiperfosfatemia.

Figura 1 - Regulação da homeostase do cálcio.

As manifestações agudas são decorrentes da hipocalcemia aguda ou grave, gerando alterações como irritabilidade neuromuscular (Sinais de Chvostek e Trousseau), alterações cardiovasculares e neuropsiquiátricas. Já as manifestações crônicas podem ocorrer em consequência da hipocalcemia e hiperfosfatemia, comprometendo vários órgãos e sistemas, como renal, neurológico, psiquiátrico, esquelético e imunológico.

O sinal de Chvostek é feito com a percussão sobre o nervo facial, sendo positivo quando ocorre a contração dos músculos faciais ipsilaterais, positivo em 25% dos indivíduos saudáveis e em 29% dos pacientes com hipocalcemia pode ser negativo. O Sinal de Trousseau é realizado com a insuflação do esfigmomanômetro no membro superior 20 mmHg acima da pressão arterial sistólica e mantido insuflado por 3 minutos, positivo se houver espasmo carpopedal, é mais sensível e específico, presente em 94% dos pacientes com hipocalcemia e em apenas 1% dos normocalcêmicos.

Alterações psiquiátricas são associadas, como transtorno depressivo, sintomas de ansiedade, psicose, delirium e déficit cognitivo. As convulsões podem ser focais ou tônico-clônicas generalizadas. A calcificações no sistema nervoso central ocorrem em até 74% dos pacientes crônicos. Raramente ocorre laringoespasmo, sendo potencialmente grave e o sintoma mais comum é o estridor.

Manifestações cardiovasculares incluem hipotensão, bradicardia, diminuição da contratilidade cardíaca e arritmias.

Alterações renais são mais comumente causadas pelos efeitos adversos do tratamento com vitamina D, que causam hipercalciúria e alguns episódios de hipercalcemia, favorecendo mineralização ectópica, nefrocalcinose e nefrolitíase.

Papiledema é outra manifestação da hipocalcemia grave, porém reversível com a resolução da hipocalcemia. Pode ocorrer com aumento da pressão intracraniana (PIC) ou com PIC normal. A catarata pode ocorrer em até 50% dos casos e são associadas com o tempo de duração da doença.

Ocorrem alterações ósseas, como aumento da densidade mineral óssea e diminuição da remodelação óssea. Porém, não altera o risco de fratura.

O diagnóstico (ver figura 2) é feito pela presença de hipocalcemia, avaliada pelo cálcio ionizado ou cálcio corrigido pela albumina associado a níveis indetectáveis ou inapropriadamente baixos do PTH, confirmados em duas ocasiões. Hiperfosfatemia é frequente, mas pode não estar presente. Devemos afastar hipomagnesemia pois é causa de hipoparatireoidismo “funcional”, devido a diminuição da secreção do PTH e aumento da resistência dele nos ossos e rins.

Figura 2 - Diagnóstico do Hipoparatireoidismo:

Durante o seguimento devemos monitorar os pacientes para evitar complicações (ver tabela 1). Avaliar sintomas de nefrolitíase, neuropsiquiátricos e alterações visuais. Manter o cálcio no limite inferior da normalidade, evitar hiperfosfatemia, manter o produto cálcio x fosfóro menor que 55 mg2/dL2 e a calciúria de 24 horas abaixo de 4 mg/kg/dia ou menor que 300mg em 24 horas. Monitorar a função renal, calciúria de 24 horas e ultrassonografia de rins e vias urinárias. Orientar acompanhamento oftalmológico e odontológico regularmente.

Tabela 1 - Monitoramento e metas terapêuticas.

Em casos de manifestações graves (laringoespasmo, convulsões, alteração do estado mental, tetania e arritmias) ou cálcio sérico menor ou igual 7,5 mg/dL, mesmo que assintomático deve-se conduzir tratamento para crise hipocalcêmica, com reposição endovenosa com Gluconato de cálcio 1 a 2 gramas (90 a 180mg de cálcio elementar), diluídos em 50 mL de solução, em 15 a 30 minutos e após, reposição em bomba de infusão contínua com 0,5-1,5 mg/kg/hora durante 8 a 10 horas, acompanhando o cálcio sérico a cada 4 a 6 horas.

No manejo crônico orientar diminuir alimentos com alto teor de fósforo (laticínios e refrigerantes) e dieta hipossódica.

A suplementação de cálcio é feita geralmente com 1 a 2 gramas de cálcio elementar, em doses fracionadas. O Carbonato de cálcio tem 40% de cálcio elementar, se liga ao fosfato e é melhor absorvido junto com as refeições, pois depende de um pH gástrico ácido. O Citrato de cálcio tem 21% de cálcio elementar, não necessita ser ingerido com a alimentação e tem a vantagem de poder ser usado em pacientes com acloridria e após cirurgia bariátrica.

Devido a deficiência de PTH, ocorre menor hidroxilação de 25-hidroxivitamina D em 1-25-dihidroxivitamina D, com prejuízo na absorção intestinal de cálcio e por isso, usamos o Calcitriol, com dose diária de 0,5 a 3,0 mcg por dia, devendo ser fracionado pois possui meia vida curta de 4 a 6 horas. O Colecalciferol tem papel menor por precisarem ser hidroxilados pelo PTH nos rins. Porém, devido a ações pleiotrópicas sistêmicas do metabolismo do cálcio, devemos manter o nível de 25-hidroxivitamina D suficientes.

Nos casos com hipercalciúria importante, podemos usar os diuréticos tiazídicos, que diminuem a calciúria através do aumento da reabsorção tubular renal do cálcio.

O PTH humano recombinante (1-84) [rhPTH (1-84)] foi aprovado pela Food and Drug Administration em 2015 para o tratamento do hipoparatireoidismo. Devido ao seu alto custo, ele é usado para os pacientes refratários ao tratamento convencional. A dose varia de 25-100 mcg por dia, via subcutânea, uma vez ao dia. As indicações para o uso são: controle inadequado da calcemia, dose maior que 2,5g de suplementos de cálcio ou maior que 1,5 mcg de calcitriol, hipercalciúria, nefrolitíase ou taxa de filtração glomerular inferior a 60mL/min, hiperfosfatemia e / ou produto cálcio x fósforo maior 55 mg2/dL2, má absorção gastrointestinal ou ainda diminuição da qualidade de vida. No estudo REPLACE mais da metade dos pacientes diminuíram em 50% as doses de cálcio e vitamina D após 24 semanas de uso. Já a Teriparatida, que é o PTH humano recombinante (1 - 34) [rhPTH (1-34)] só está aprovado para osteoporose pois possui meia vida curta, necessitando de mais aplicações diárias ou até mesmo bomba de infusão contínua.

Tabela 2 – Tratamento do hipoparatireoidismo:

Referências bibliográficas:

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