Quais as possíveis alterações endocrinológicas nos usuários de lítio?
LÍTIO
6/15/20243 min read


Introdução
O lítio é amplamente utilizado no tratamento de transtornos psiquiátricos, especialmente no transtorno bipolar, devido à sua eficácia e custo-benefício. Apesar dos avanços recentes em tratamentos farmacológicos, o lítio continua sendo uma opção popular. No entanto, seu uso está associado a várias complicações endócrinas significativas, afetando principalmente as funções da tireoide, paratireoide e o metabolismo mineral.
Aspectos Farmacológicos
O mecanismo exato pelo qual o lítio atua como estabilizador de humor ainda não é totalmente compreendido. Ele interfere na homeostase do cálcio e modula a atividade de neurotransmissores, reduzindo a atividade glutaminérgica e contribuindo para a neuroproteção. O lítio também modula vias que regulam a plasticidade neuronal, como a glicogênio sintase quinase 3b (GSK-3b), quinase dependente de cAMP e a proteína quinase C.
Devido ao seu estreito intervalo terapêutico, o lítio requer monitoramento cuidadoso das concentrações plasmáticas para evitar toxicidade. As concentrações terapêuticas seguras variam de 0,6 a 1,25 mEq/L, com preferências por níveis máximos de 0,75 mEq/L em tratamentos prolongados. As doses recomendadas de carbonato de lítio variam de 900 a 1.500 mg por dia.
O lítio é rapidamente absorvido pelo trato gastrointestinal, atingindo a concentração sérica máxima em 2 a 4 horas. Cerca de 95% da dose ingerida é excretada pela urina sem sofrer biotransformação. Sua meia-vida é de até 24 horas, podendo ser mais longa em idosos.
Distúrbios no Sistema Endócrino
Metabolismo Mineral: O uso crônico de lítio é frequentemente associado à hipercalcemia, geralmente reversível após a suspensão do medicamento. Em alguns casos, a hipercalcemia pode ser persistente, levando ao desenvolvimento de hiperparatireoidismo. Estudos in vitro mostram que o lítio aumenta os níveis de PTH em culturas de células paratireoides. Em experimentos in vivo, o lítio altera a dinâmica da secreção de PTH, aumentando o ponto de ajuste do receptor de cálcio da paratireoide, necessitando de níveis séricos mais altos de cálcio para inibir a secreção de PTH.
A prevalência de hiperparatireoidismo associado ao lítio é maior em mulheres (4:1), podendo ocorrer adenomas ou hiperplasia da paratireoide. O tratamento pode variar, incluindo a cirurgia ou o uso de agentes miméticos de cálcio como o Cinacalcet.
Tireoide: Pacientes tratados com lítio podem desenvolver aumento da tireoide (bócio), com prevalência de até 50% em uso crônico. O lítio interfere na proliferação celular da tireoide e na liberação de hormônios tireoidianos, podendo causar hipotireoidismo. Mulheres e pacientes com anticorpos tireoidianos pré-existentes têm maior risco de desenvolver anormalidades. O lítio acumula-se na tireoide, reduz a captação de iodo e interfere na iodinação da tirosina, alterando a estrutura da tireoglobulina e a formação de coloide.


Diabetes Insipidus Nefrogênico (DI): O lítio pode causar NDI, caracterizado pela incapacidade renal de concentrar a urina, resultando em poliúria. Até 40% dos pacientes em uso crônico de lítio podem desenvolver DI. O lítio inibe a expressão de aquaporinas, principalmente a aquaporina 2 (AQP2), nos ductos coletores renais. O tratamento com amiloride é eficaz, pois reduz a entrada de lítio nas células do túbulo distal.
Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal: Estudos indicam que o lítio pode aumentar a resposta de ACTH e cortisol no teste combinado de dexametasona-CRH, sugerindo um possível efeito sobre o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. In vitro, o lítio inibe a apoptose do córtex adrenal humano e a proliferação de células de feocromocitoma.
Metabolismo da Glicose: O lítio pode inibir a secreção de insulina induzida por glicose, levando à hiperglicemia. Estudos em ratos mostram que o lítio leva à hiperglicemia, aumento dos níveis de glucagon e menor resposta insulínica. O lítio também pode aumentar a sensibilidade ao transporte de glicose induzido pela insulina em músculos esqueléticos e adipócitos.
Efeitos no Peso Corporal: O ganho de peso, de até 10 kg, pode ocorrer em quase 30% dos pacientes usando lítio. Isso pode estar relacionado ao aumento da ingestão de bebidas calóricas e alterações nos níveis de leptina.
Conclusão
Os profissionais de saúde devem estar atentos às potenciais complicações endócrinas associadas ao uso de lítio. A monitorização adequada é essencial para identificar e tratar precocemente essas complicações, garantindo um tratamento seguro e eficaz para os pacientes.
Giusti CF, Amorim SR, Guerra RA, Portes ES. Endocrine disturbances related to the use of lithium. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2012